O mundo das bebidas é tão vasto quanto interessante. É parte crucial de culturas milenares e carrega consigo as tarefas árduas de saciar sedes, promover celebrações, azeitar as relações e curar males do corpo e da alma.
Nessa miscelânea de culturas celebrando colheitas, divindades e contratos sociais, a diversidade de bebidas acompanhou a complexidade e imaginação de cada povo. Misturas, fermentações, destilações, infusões com ervas, frutos e sementes.
“Para que começar esse texto tão antigamente?”, você me pergunta. Eu respondo. Eu gosto de contextualizar. Pareceu-me vago chegar assim, de surpresa, e jogar uma receita.
Fato é que a criação dessas bebidas é tão complexa quanto as técnicas que se desenvolveram para cada tipo delas. E essas técnicas acabaram por separar um pouco as pessoas que são do vinho das dos destilados, das do café, das do chá, das dos cocktails, das pessoas das cervejas, e cada uma dessas acaba por se fechar em seu próprio mundo.
Existe, entretanto, um local em que todas essas galeras acabam se encontrando invariavelmente: o balcão do bar. As Nações Unidas da libação.
É nesse espaço democrático do prazer líquido que sólidas relações são criadas, e, para que isso aconteça, tão hábil quanto um diplomata que discursa na Assembléia Geral há de ser o profissional que junta líquidos com a mesma destreza e precisão em que junta pessoas. Junta, não, harmoniza. Vamos usar termos técnicos.
Em plena consciência de que meu trabalho lida com mundos diferentes de bebidas e pessoas, busco ao longo da minha carreira harmonizar melhor o mundo da coquetelaria com o dos vinhos, cafés, chás e cervejas.
Então, quando me convidaram para escrever sobre coquetelaria, pensei “é a hora perfeita para explorar melhor esses mundos em receitas que sejam palcos onde brilham todas essas jóias de sabor”.
Para abrir a seção, nada melhor que uma releitura de um cocktail clássico e amado por mixologistas ao redor do mundo: o New York Sour.
Sua versão original consta de um sour de whiskey (mistura de limão, açúcar e destilado); com um splash, um float, um xablau, um toque de vinho tinto por cima da bebida, que flutua sobre o cocktail dourado. Por esse motivo, esse cocktail impressiona tanto pela aparência quanto pelo sabor.
Para não incorrer na mesma indiferença de outras matérias, que contemplam esta receita em juntar todos os vinhos tintos sob a mesma seara, vou dizer que não, não é qualquer vinho tinto que serve. A harmonização, no entanto, é bem livre e pode ser feita com diversos vinhos que sejam secos, independente da casta das uvas, varietal ou corte, pois o Bourbon da receita confere estrutura boa para comportar até mesmo vinhos mais robustos.
A mágica está, justamente, em testar vinhos diferentes, percebendo como acidez, corpo e taninos impactam o resultado final do cocktail. Na nossa versão o Malbec funcionou muito bem, até mesmo por conta de termos utilizado também o café.
Sim, nosso NY Sour ganhou notas de café arábica, filtrado por gravidade no método v60 e transformado em xarope – com a adição de parte igual de açúcar demerara – e mexido até a completa dissolução.
Ao final, dois dashes (lances) de Bitter de laranja ligam os sabores e conferem aroma mais frutado ao cocktail. Um zest (pedaço da casca sem a parte branca) de laranja bahia espremido sobre o cocktail para retirar os óleos essenciais desta casca também funcionam perfeitamente.
Depois dessa descrição quase poética, vamos direto ao assunto:
# NY Coffee Sour
- 50ml de Bourbon
- 25ml de Xarope de V60*
- 30ml de Sumo de Limão
- 15ml de Vinho Malbec
- 2 dashes de Bitter de Laranja ou um zest de laranja bahia
Preparo:
- Na coqueteleira com bastante gelo, adicionar os ingredientes, exceto o vinho Malbec.
- Bater vigorosamente e coar para um copo baixo com gelo novo, de preferência um gelo grande.
- Acrescentar os 15 ml de Malbec derramados cuidadosamente sobre o gelo, ou com auxílio de uma colher para que este vinho flutue no cocktail.
- Finalizar com os dashes de bitter de Laranja ou o best espremido.
Aproveitem e até o próximo papo. Comentem o que acharam e quais resultados tiveram. Saúde!
*Xarope de V60 = Filtrar 200ml de café, de preferência pelo método v60. Com o café ainda quente, juntar 200g de açúcar demerara e mexer até dissolver todo açúcar. Deixar esfriar e utilizar na receita. Funciona também medindo em copos. um copo de café para um copo de açúcar.